Natal com fome: fome e desemprego em Riachão já é reflexo de realidade brasileira, mulheres são as que mais sofrem
O sol escaldante de uma tarde de Natal parecia arder mais
ainda na Rua 2 de janeiro,
no Bairro Alto do Cruzeiro,
próximo ao berço do rio jacuípe,
em Riachão do Jacuípe, na tarde desta terça-feira (24) dia da tão tradicional (ceia de natal). Em poucos metros de algumas mesas tão fartas, encontramos outras tantas vazias.
Depois
de recepcionadas por Lea, 12 anos, filha mais velha da dona da casa,
veio em seguida a própria Raquel Silva dos
Reis, 27 anos, mais uma entre tantas mulheres que protagonizam a responsabilidade de manter sozinhas o sustento
da família.
Com
a fala pausada por longos silêncios e um pouco receosa, Raquel conta que nunca participou de uma ceia
de Natal. Viúva a quase dois anos, ela
lembra que depois que
assassinaram o seu companheiro (que mantinha a casa) as dificuldades só aumentaram. “Desde
os 11 anos que trabalho,
vim do povoado de São Francisco para trabalhar em Riachão, mas agora as coisas ficaram mais difíceis, fiquei sozinha pra sustentar
meus filhos” , conta.
Uma
pausa, o cunhado de Raquel
chega trazendo uma sacola com açúcar,
farinha, fubá , feijão, óleo e mais uns dois
pacotes de alimento. Com brilho nos olhos, Raquel agradece com as mãos estendidas. Givaldo Ferreira entrega
a sacola e já entra na conversa depois de um breve boa tarde: “Eu e minha
esposa passamos pelas mesmas dificuldades, mas graças a deus arrumei um trabalho na Cerâmica de seu Caboclo e agora
sustento a minha casa. Por isso,
quando posso, eu ajudo
Raquel e meus sobrinhos,
revela com os olhos marejados.
Fome: substantivo feminino
Letícia (11 anos) quer ser advogada
Não
por acaso a palavra fome é considerada pela língua portuguesa como um substantivo
feminino. Dados do crescimento da fome
no Brasil apontam que mulheres são as maiores vítimas, e por diversos motivos sustentam sozinhas
a casa. O caso de Raquel, por
exemplo, única responsável
por seus rebentos não é diferente da
realidade de muitas outras mulheres em cidades como o Rio de Janeiro e demais
regiões do país assolado pela fome e pela consequente ou “inconsequente” violência.
O IBGE também sinaliza que estas mulheres passam dias quase sem se alimentar
para dar o pouco que conseguem aos filhos.
Genivaldo (tio) Letícia, Raquel, Daniel, Natanael e Lea que sonha em ser médica
Atualmente, Raquel sustenta seus
quatro filhos com o valor que recebe da Bolsa Família (R$ 240,00). Ela informa que recentemente
passou a somar a este valor uma pequena cota que recebe da sogra por trabalhar
na casa dela pelo turno da manhã,
mesmo horário em que os três filhos mais velhos estão na escola:
“Quero
ver se no próximo ano consigo uma creche para Natanael (4 anos). Assim, talvez eu consiga um
emprego certo já que a tarde as meninas vão poder cuidar deles", se planeja Raquel para 2020.
Raquel
vive um dia de cada vez como reza o ditado popular. Nesta tarde de terça-feira
(Natal) sua maior preocupação é se seu bujão irá acabar antes de terminar o ano.
"Minha sorte é Sonei que confia e
me vende pra pagar com 30 dias” lembra, se referindo ao revendedor de botijões no bairro.
Além
de bujão ela conta que paga luz e água com os R$ 240,00 do bolsa família. Com a sobra da bolsa compra alimentação. A ajuda das
avós dos meninos e do cunhado são bem vindas segundo Raquel, porém não evita momentos
de escassez : “sem
jeito, prefiro às vezes não abusar ninguém” , revela.
Entre
uma pausa e outra, como quem
estava entendendo a conversa, Arquelina
balançava o rabo olhando para a
dona. Apesar de todas as dificuldades da família, a
cadelinha foi resgatada por Raquel: “Queriam jogar a bichinha fora, fiquei com pena e peguei pra
criar”, justificou.
Além
de Arquelina mais dois gatos compõem a família. “Nem sempre a gente tem comida pra eles, mas quando tem a
gente divide” , completa.
Sem
emprego e sem perspectivas de qualquer outro amparo, além da Bolsa Família que
antes servia como complemento à renda do
marido, Raquel nunca teve carteira assinada nem emprego além do serviço como diarista. Diante
do cenário de “reformas” no Brasil,
especialmente a trabalhista ela
dificilmente terá amparo para combater a insegurança alimentar da família, o mínimo que um ser humano precisa para uma sobrevivência com dignidade.
“Eu só queria terminar de rebocar o quarto dos meninos (se referindo ao único dormitório que também é dela) e arrumar um emprego para meus filhos não passarem tantas dificuldades”, respondeu quando questionada sobre seu maior sonho.
Visitamos outras famílias na periferia da
cidade com situação semelhante: fome e insegurança alimentar. Embora a sociedade
que se organiza em torno de arrecadações neste período do ano e fazem diversas outras ações caridosas (e que
são bem vindas) saciem a fome dos próximos dias, a responsabilidade
do estado em promover políticas públicas para combater a desigualdade social, muitas vezes não é considerada como relevante por esta mesma sociedade "caridosa".
Em
Riachão não apenas a falta destas políticas sociais de assistência, mas a geração de novos empregos e
renda com o incentivo a novas instalações de indústrias podem melhorar este
fosso social. Que o digam os pais e mães de famílias demitidos em junho desse
ano com o fechamento da Paquetá Indústria de Calçados na cidade.
Para
colaborar com a família de Raquel é só ligar para o contato dela:
75- 91607659 (Raquel)
75- 91607659 (Raquel)
Por Laura Ferreira
Fotos: Eliete Cordeiro
Natal com fome: fome e desemprego em Riachão já é reflexo de realidade brasileira, mulheres são as que mais sofrem
Reviewed by Imprensa Cheque
on
dezembro 25, 2019
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