Ana Primavesi deixou, neste dia cinco, a sua
existência física – marcada por lutas e bom exemplo – para se tornar, em
definitivo, um ícone imortal para agricultores, ambientalistas, pesquisadores e
acadêmicos das Ciências Agrárias.
A Engenheira Agrônoma, pesquisadora,
escritora e ativista morreu neste domingo (5), devido a complicações cardíacas,
pouco antes do seu esperado centenário, em três de outubro.
A sua vida foi definida por tripla
perseguição: como mulher, foi pioneira da presença feminina nos círculos
machistas da Agronomia, em uma épica prévia à Segunda Grande Guerra; como
fugitiva de guerra, teve que sobreviver à perseguição do exército nazista,
refugiando-se no Brasil – país que adotou como pátria; como precursora da
Agroecologia, precisou resistir às investidas daqueles que defendiam os
interesses patronais e as ideias mineralistas oriundas da Revolução Verde.
Ana em solo Brasileiro
Quando ela chegou ao Brasil, nos anos 50 do
século XX, a industrialização da agricultura – idealizada nos países europeus e
pelos Estados Unidos – era forçada ao mundo em desenvolvimento como alternativa
de modernização do campo e combate à fome. As prescrições massivas de
agrotóxicos, monocultivos, máquinas pesadas e outros processos e produtos que
compunham a Revolução Verde eram criticadas por poucos visionários, capazes de
antever os problemas ambientais e socioeconômicos que esse modelo estava
criando.
Nesse contexto, as suas ideias soavam
absolutamente radicais:
1). O solo é um organismo vivo, não um mero
suporte para as plantas, nem um receptáculo para agroquímicos;
2). A construção da fertilidade passa por
práticas que aumentem a vida em meio aos cultivos, na forma de consórcio de
espécies vegetais, micro-organismos benéficos (fungos, bactérias, etc.),
insetos, minhocas e tantos outros seres capazes de reciclar a matéria orgânica
e fornecer os nutrientes que as plantas precisam;
3). As práticas da Revolução Verde não constroem
vida e fertilidade no médio e longo prazo, servindo apenas para safras pontuais
altamente dependentes de produtos industrializados – utilizados para mascarar a
“morte” dos solos;
4) As ideias mineralistas, que postulam que a
fertilidade do solo deve ser medida por indicadores químicos (como pH, níveis
de nutrientes, etc.), são, por si só, incompletos, pois desconsideram as
dimensões biológica e física das áreas agrícolas;
5). Os solos tropicais são marcados por
condições peculiares de clima, geologia e cobertura vegetal, de forma que os
princípios aplicados em regiões temperadas não são adequados para a nossa realidade,
o que demanda a construção de um outro pensamento agronômico contextualizado.
Com Fernando Haddad, Maristela Haddad e Gabriel Chalita em Projeto pela Prefeitura de São Paulo
Às suas palavras somaram-se outras vozes ao
longo das décadas, seja por conta da falência sistemática do modelo
agropecuário que ela combatia desde a juventude, seja por conta da comprovação
científica de muitas de suas hipóteses por cientistas agropecuários
independentes, no Brasil e em outros países.
A sua vida pública foi marcada pela docência,
pela articulação agroecológica e por premiações: como professora da
Universidade Federal de Santa Maria, contribuiu para a formação de um
pensamento acadêmico direcionado à sustentabilidade; organizou o primeiro curso
de pós-graduação em agricultura orgânica no país e foi fundadora da Associação
da Agricultora Orgânica (AOO); entre as inúmeras premiações que recebeu, o One
World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica
(IFOAM).
O seu livro “Manejo Ecológico do Solo: a
Agricultura em Regiões Tropicais”, de 2002, é um marco da Agroecologia no
Brasil e consolida toda uma escola científica que considera as especificidades
dos solos tropicais. Essa publicação e suas outras obras são um legado para o
mundo, pois guardam muitas das informações necessárias à plena integração da
produção agropecuária aos princípios ecológicos.
O Jatobá – como muitos preferem chamá-la –
partiu, mas não sem antes deixar milhares de sementes: pessoas de diferentes idades,
em diferentes contextos e em vários países ávidas pela construção de uma outra relação
com a Terra e apaixonadas pelas potencialidades que apenas a agropecuária em
regiões tropicais pode nos oferecer.
“E apesar de todos os protestos
e modificações, nosso corpo material continua se formando de minerais do solo.
Quando morto e cremado resta o quê? Um punhado de cinzas, minerais. O homem é
somente o que o solo fez dele. Mesmo vivendo em prédios urbanos, nem sabendo
mais como é um frango ou uma vaca ou qual a diferença entre milho e trigo, o
homem não escapa e ter seu corpo formado com aquilo que a terra forneceu... E a
mediadora entre o homem e a terra é a agricultura. Se a tecnologia for
acertada, o homem será forte e saudável. Mas, se for errada, mesmo produzindo
supersafras, o homem será fraco e doentio”.
ANA PRIMAVESI
Por Elialdo Alves de Souza, Dr. em Agronomia, Ms. em Agroecologia, Eng. Agrônomo e colaborador do Imprensa Cheque
Fotos: internet
Dr. Elialdo Alves de Souza
Instagram: @agronomia_ceiba
Morre, aos 99 anos, Ana Primavesi: Ícone da Agroecologia e da Ciência do Solo
Reviewed by Imprensa Cheque
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janeiro 05, 2020
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