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Morre, aos 99 anos, Ana Primavesi: Ícone da Agroecologia e da Ciência do Solo






Ana Primavesi deixou, neste dia cinco, a sua existência física – marcada por lutas e bom exemplo – para se tornar, em definitivo, um ícone imortal para agricultores, ambientalistas, pesquisadores e acadêmicos das Ciências Agrárias.
A Engenheira Agrônoma, pesquisadora, escritora e ativista morreu neste domingo (5), devido a complicações cardíacas, pouco antes do seu esperado centenário, em três de outubro.
A sua vida foi definida por tripla perseguição: como mulher, foi pioneira da presença feminina nos círculos machistas da Agronomia, em uma épica prévia à Segunda Grande Guerra; como fugitiva de guerra, teve que sobreviver à perseguição do exército nazista, refugiando-se no Brasil – país que adotou como pátria; como precursora da Agroecologia, precisou resistir às investidas daqueles que defendiam os interesses patronais e as ideias mineralistas oriundas da Revolução Verde.



  
Ana em solo Brasileiro

Quando ela chegou ao Brasil, nos anos 50 do século XX, a industrialização da agricultura – idealizada nos países europeus e pelos Estados Unidos – era forçada ao mundo em desenvolvimento como alternativa de modernização do campo e combate à fome. As prescrições massivas de agrotóxicos, monocultivos, máquinas pesadas e outros processos e produtos que compunham a Revolução Verde eram criticadas por poucos visionários, capazes de antever os problemas ambientais e socioeconômicos que esse modelo estava criando.
Nesse contexto, as suas ideias soavam absolutamente radicais:
1). O solo é um organismo vivo, não um mero suporte para as plantas, nem um receptáculo para agroquímicos;
2). A construção da fertilidade passa por práticas que aumentem a vida em meio aos cultivos, na forma de consórcio de espécies vegetais, micro-organismos benéficos (fungos, bactérias, etc.), insetos, minhocas e tantos outros seres capazes de reciclar a matéria orgânica e fornecer os nutrientes que as plantas precisam;
3). As práticas da Revolução Verde não constroem vida e fertilidade no médio e longo prazo, servindo apenas para safras pontuais altamente dependentes de produtos industrializados – utilizados para mascarar a “morte” dos solos;
4) As ideias mineralistas, que postulam que a fertilidade do solo deve ser medida por indicadores químicos (como pH, níveis de nutrientes, etc.), são, por si só, incompletos, pois desconsideram as dimensões biológica e física das áreas agrícolas;
5). Os solos tropicais são marcados por condições peculiares de clima, geologia e cobertura vegetal, de forma que os princípios aplicados em regiões temperadas não são adequados para a nossa realidade, o que demanda a construção de um outro pensamento agronômico contextualizado.

       Com Fernando HaddadMaristela Haddad e Gabriel Chalita em Projeto pela Prefeitura de São Paulo

Às suas palavras somaram-se outras vozes ao longo das décadas, seja por conta da falência sistemática do modelo agropecuário que ela combatia desde a juventude, seja por conta da comprovação científica de muitas de suas hipóteses por cientistas agropecuários independentes, no Brasil e em outros países.
A sua vida pública foi marcada pela docência, pela articulação agroecológica e por premiações: como professora da Universidade Federal de Santa Maria, contribuiu para a formação de um pensamento acadêmico direcionado à sustentabilidade; organizou o primeiro curso de pós-graduação em agricultura orgânica no país e foi fundadora da Associação da Agricultora Orgânica (AOO); entre as inúmeras premiações que recebeu, o One World Award, da Federação Internacional dos Movimentos da Agricultura Orgânica (IFOAM).
O seu livro “Manejo Ecológico do Solo: a Agricultura em Regiões Tropicais”, de 2002, é um marco da Agroecologia no Brasil e consolida toda uma escola científica que considera as especificidades dos solos tropicais. Essa publicação e suas outras obras são um legado para o mundo, pois guardam muitas das informações necessárias à plena integração da produção agropecuária aos princípios ecológicos.

O Jatobá – como muitos preferem chamá-la – partiu, mas não sem antes deixar milhares de sementes: pessoas de diferentes idades, em diferentes contextos e em vários países ávidas pela construção de uma outra relação com a Terra e apaixonadas pelas potencialidades que apenas a agropecuária em regiões tropicais pode nos oferecer. 

E apesar de todos os protestos e modificações, nosso corpo material continua se formando de minerais do solo. Quando morto e cremado resta o quê? Um punhado de cinzas, minerais. O homem é somente o que o solo fez dele. Mesmo vivendo em prédios urbanos, nem sabendo mais como é um frango ou uma vaca ou qual a diferença entre milho e trigo, o homem não escapa e ter seu corpo formado com aquilo que a terra forneceu... E a mediadora entre o homem e a terra é a agricultura. Se a tecnologia for acertada, o homem será forte e saudável. Mas, se for errada, mesmo produzindo supersafras, o homem será fraco e doentio”.
ANA PRIMAVESI

Por Elialdo Alves de SouzaDr. em AgronomiaMs. em AgroecologiaEng. Agrônomo e colaborador do Imprensa Cheque


Fotos: internet







Dr. Elialdo Alves de Souza
Instagram: @agronomia_ceiba

Morre, aos 99 anos, Ana Primavesi: Ícone da Agroecologia e da Ciência do Solo Morre, aos 99 anos, Ana Primavesi: Ícone da Agroecologia e da Ciência do Solo Reviewed by Imprensa Cheque on janeiro 05, 2020 Rating: 5

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