Para se consolidar enquanto ação estatal, como no caso do Brasil, a Necropolítica necessita da sustentação de uma estratégia de comunicação, para além do dito e praticado pelos agentes políticos, que busque suavizar e naturalizar a definição dos corpos matáveis e dos corpos que têm direito à vida.
Por isso, apenas dois dias após Bolsonaro fazer, em rede nacional de televisão, um pronunciamento de confirmação da sua política de morte, a Secretaria de Comunicação do seu governo lançou a campanha "o Brasil não pode parar".
A comunicação como instrumento da Necropolítica se articula em dois objetivos complementares: a) espalhar a ideia de existência de um inimigo; e b) persuadir parcelas desse "inimigo" a atuarem contra si próprios.
A campanha do governo brasileiro é emblemática neste sentido ao: a) tentar qualificar como inimigo quem se opõe ao "funcionamento" do país; e b) direcionar a sua argumentação especialmente para as mulheres e homens que têm menos direitos e garantias trabalhistas.
Para atingir esses objetivos, o vídeo da campanha utiliza-se de uma narração que repetidamente afirma o slogan - o Brasil não pode parar - e de imagens/texto que focam no trabalho dos setores mais empobrecidos da população.
Não por acaso, o vídeo fala dos "quase 40 milhões de trabalhadores autônomos" e das "dezenas de milhões de brasileiros assalariados, seus filhos e seus netos, seus pais e seus avós".
Não por coincidência, na peça de governo há quase que somente pessoas negras/os, parcela majoritária da classe trabalhadora em maior vulnerabilidade do país.
Também não à toa, o vídeo fala em ambulantes, feirantes, empregados domésticos e utiliza imagens de trabalhadores da limpeza urbana, pequenos comerciantes, etc.
Até mesmo quando fala das empresas, a campanha quer chegar às trabalhadoras e trabalhadores, ao cravar que "as empresas acabarão tendo de fechar as portas ou demitir funcionários". Ameaça direta.
Ao tentar persuadir esses segmentos da população a ignorar as recomendações de necessário isolamento social, ficando assim mais expostos à contaminação pelo novo coronavírus, o governo Bolsonaro reafirma a sua disposição para a produção de mortes em larga escala.
"O Brasil não pode parar" é um plágio da campanha "Milano non se ferna"
Observação: além de tudo, a campanha "o Brasil não pode parar" é um plágio da campanha "Milano non se ferma" (Milão não para), lançada em final de fevereiro. Hoje, um mês depois da campanha, Milão é a província italiana mais atingida pela COVID-19, com mais de 32 mil pessoas contaminadas e mais de 4 mil mortes. O prefeito de lá, inclusive, já disse que a campanha foi um "erro".
_Paulo Victor Melo, é jornalista, Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA
A Comunicação a serviço da Necropolítica
Reviewed by Imprensa Cheque
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março 27, 2020
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